Análise do jogo The Last of Us Part II Remastered

Quando foi contratado para escoltar Ellie até um grupo de Vaga-lumes, Joel certamente não imaginou que criaria um vínculo tão forte com a garota que até então era apenas uma espécie de carga. Carga essa muito especial, afinal, a jovem foi mordida e não desenvolveu a infecção provocada pelo fungo Cordyceps. Enfrentando grandes desafios ao percorrer uma parcela considerável dos Estados Unidos, Joel conseguiu cumprir a jornada, mas ao descobrir que Ellie morreria no processo de desenvolvimento de uma vacina, ele matou todos os Vaga-lumes que encontrou no caminho para resgatar a jovem. Mal sabia ele as consequências que o seu ato desencadearia…
A história de The Last of Us Part II é ambientada cinco anos após esses eventos e nos apresenta uma versão adulta de Ellie, que agora conta com dezenove anos e vive junto com Joel na pacata cidade de Jackson. Logo no início percebemos que há um certo distanciamento entre Joel e Ellie e os motivos disso vão se tornando mais claros conforme progredimos. O que pauta a narrativa são as relações entre os sobreviventes, o que acaba dando um maior destaque para personagens secundários, como é o caso de Dina, com quem a protagonista começa a ter um relacionamento amoroso, e Jesse, um amigo que ajuda Ellie em diversas circunstâncias. Durante parte considerável da aventura, Ellie conta com a companhia de um ou de outro. Cenas com flashbacks aprofundam pontos narrativos importantes e que justificam as motivações vistas no presente.
Sem entrar em muitos detalhes sobre a história, logo no início do jogo Ellie vivencia um trágico evento que desperta nela um forte sentimento de vingança, levando-a até a cidade de Seattle. Tal como seu antecessor, a trama do título é muito bem desenvolvida, o diferencial é que agora passamos a questionar ainda mais as escolhas que são tomadas pelos principais personagens. Isso se deve ao fato de não ficarmos restritos a apenas um ponto de vista narrativo: tendo uma ampla visão dos acontecimentos, podemos refletir profundamente sobre tudo o que estamos vivenciando. Mesmo que não gostemos de algumas decisões, somos obrigados a lidar com elas. Esse aspecto evidencia a brutalidade do mundo pós-apocalíptico de The Last of Us, onde as ameaças estão por toda parte.
Parcela do enredo é desenvolvido por meio de objetos e mensagens presentes nos ambientes, muitas delas relatando os dramas das pessoas em uma sociedade em ruína. Algumas dessas mensagens contam com senhas ou pistas sobre cofres, onde estão guardados munições e recursos. Coletáveis, como as cartas colecionáveis e as moedas, são resquícios de um mundo que outrora existiu. The Last of Us Part II é um jogo que te recompensa pela exploração dos cenários, não só pelos elementos narrativos que citei, mas também por nos fornecer uma vasta quantidade de recursos úteis para fabricar itens, melhorar as armas e as habilidades.
À medida que vamos avançando, nos deparamos com novas facções, conhecemos como elas agem e quais são os seus ideais. O Washington Liberation Front (WLF), traduzido para o Brasil como Washington na Luta pelo Futuro, é um grupo paramilitar que no passado entrou em confronto com a FEDRA. Também conhecidos como Lobos, o WLF é extremamente bem equipado e utiliza cachorros em suas patrulhas, animais que conseguem detectar o cheiro de inimigos e seguir o rastro para localizá-los. Já os Serafitas, vulgarmente chamados de Cicatrizes, são um culto avesso a qualquer tipo de tecnologia e seus membros geralmente fazem uso de arco e flecha e outras armas brancas. Outra peculiaridade dos Serafitas é que eles utilizam um sistema de comunicação por meio de assobios e tendem a se espalhar pelos ambientes de forma furtiva, utilizando a vegetação a seu favor. Os dois grupos apresentam características bem distintas, o que nos leva a adotar diferentes tipos de estratégia.
Um dos aspectos que mais gostei no game desenvolvido pela Naughty Dog é que você nunca sabe com o que se deparará na sequência. Houve um momento em que pensei que estava chegando ao final da história e de repente me vi diante de um arco narrativo totalmente inédito. Esse fator surpresa também é visto no gameplay, já que não dá para antever o que vamos encontrar do outro lado de uma porta. Na grande maioria das vezes os ambientes estão vazios, mas é sempre bom estar preparado para o inesperado. Lembro-me de um trecho em que estava na bancada melhorando as armas de Ellie e de repente fui atacado por um grupo de sobreviventes. Foi algo que jamais imaginei que poderia acontecer, já que tinha passado por várias outras bancadas sem presenciar nada do tipo.
Anos passaram desde o colapso da sociedade e nesse tempo os infectados evoluíram. Os espreitadores, por exemplo, são sorrateiros e difíceis de serem detectados no modo escuta; eles ficam escondidos pelo ambiente e também se soltam das estruturas nas paredes. Como novidade, temos dois novos tipos de infectados, os trôpegos e o rei dos ratos. Os trôpegos soltam nuvens de ácido quando se sentem ameaçados e são capazes de arremessar espécies de explosivos de ácido retirados do seu próprio corpo. Já o rei dos ratos é uma criatura monstruosa e extremamente ameaçadora que encontramos em um ponto específico do game.

Embora seja um jogo linear, The Last of Us Part II oferece liberdade para o jogador escolher suas rotas pelos amplos cenários, apresentando diferentes caminhos que levam ao mesmo objetivo. Quando chegamos em Seattle, há um trecho com um mundo semiaberto em que podemos andar livremente pelas ruas da cidade; conforme exploramos as estruturas existentes na área, novos pontos de interesse são marcados no mapa de Ellie. Infelizmente isso não se repete em outros pontos do título, gostaria que houvesse mais momentos nesse estilo. O mundo do jogo está maior e mais variado, nos levando a vivenciar diferentes tipos de situações.
Com relação a jogabilidade, esse é outro ponto em que o game se destaca. Temos à nossa disposição um arsenal que vai se tornando cada vez mais completo conforme progredimos, possibilitando diferentes tipos de abordagem. Na grande maioria das vezes optei por seguir furtivamente, fazendo uso do cenário para me esconder e surpreender os inimigos. No momento em que somos avistados, os oponentes são capazes de se organizarem e tentam atacar de diferentes direções, tornando os combates mais desafiadores. A presença dos cães representa um desafio extra, já que eles podem nos rastrear mesmo quando estamos escondidos. Duas novidades presentes no gameplay são a possibilidade de pular e de rastejar pelo chão, sendo a segunda adição extremamente útil para despistar os membros dos grupos rivais, agir sem ser visto e acessar novos lugares.
Visualmente, The Last of Us Part II chama a atenção por sua beleza gráfica, apresentando uma variedade de cenários bem construídos e com uma grande riqueza de detalhes. A representação mais notável disso está em Seattle, onde podemos ver a natureza tomando conta do espaço em meio às ruínas do que restou da cidade. Outro ponto em que a equipe da Naughty Dog trabalhou muito bem foi na caracterização dos personagens, algo que fica evidente nas várias cenas carregadas por uma elevada carga emocional. O capricho com os detalhes também está presente nos infectados em seus variados estágios e nos sobreviventes membros de outros grupos. Até mesmo em situações básicas, como a melhoria de armas, podemos ver a protagonista realizando ajustes na bancada. Quem gosta de utilizar o modo foto certamente conseguirá fazer bons registros no game.
No tocante a parte sonora, além das belíssimas músicas, que sempre combinam com aquilo que estamos vivenciando, os efeitos contribuem para a construção realista dos ambientes, nos auxiliando ainda na localização de certos infectados e nos alertando quando estamos prestes a ser avistado. O trabalho da dublagem brasileira é extremamente bem executado, o que não chega a ser uma novidade nos jogos da Sony.
Em minhas mais de 34 horas no modo história, não enfrentei nenhum problema que interrompesse minha jogatina. Mesmo explorando bem os cenários, ainda deixei muitos coletáveis para trás, algo que nos dá uma dimensão do quão maior o game é comparado com seu antecessor. Presenciei pequenos bugs, como espelhos piscando quando girava a câmera, objetos surgindo na tela de forma repentina e demora para carregar algumas texturas, nada que chegasse a comprometer minha experiência. The Last of Us Part II Remastered está muito bem otimizado no PC: jogando em Full HD com uma RTX 3060 12 GB, com configurações gráficas no alto, o título rodou com uma taxa de quadros média próxima de 100 fps.
A versão Remastered conta com o modo de sobrevivência roguelike Sem Volta, onde assumimos o controle de um personagem para enfrentar ondas aleatórias de inimigos em cenários variados. Entre cada desafio, podemos adquirir e melhorar equipamentos e habilidades antes de seguir adiante. A morte significa fim de jogo, no entanto há um sistema de progressão que desbloqueia novos personagens e bônus. Há ainda a presença de bastidores da criação do jogo, fases que foram cortadas da versão final e a possibilidade de tocar violão livremente. São recursos interessantes que proporcionam um maior conhecimento sobre o título e prolongam o tempo de jogatina.
The Last of Us Part II Remastered está disponível para PlayStation 5 e PC. Esta análise foi feita com base na versão de PC com uma cópia fornecida pela Sony.
Especificações do computador utilizado para a análise: Ryzen 7 5700X, RTX 3060 12 GB, 32 GB de memória RAM DDR4 3200Mhz.

Considerações finais
Ações geram consequências, e essa premissa é abordada de forma intensa em The Last of Us Part II. Ambientado em uma terra sem lei, onde as ameaças estão por toda parte, a luta por sobrevivência abre espaço para uma jornada brutal de vingança, que em muitos momentos nos faz questionar aquilo que estamos presenciando. Matar um infectado é interromper o deslocamento de um corpo que foi completamente dominado pelo fungo, mas tirar a vida de um ser humano é colocar um fim na existência de alguém que tinha vínculos com outras pessoas. O enredo consegue abordar isso de forma magistral e de um jeito que somente os games são capazes de fazer. Vivenciar essas questões pela primeira vez, agora que o título chegou ao PC, foi uma experiência única.
O elevado padrão narrativo é acompanhado por um conjunto de mecânicas que tornam a jogabilidade variada e divertida, dando liberdade para o jogador escolher como agir em diferentes situações. Os elementos audiovisuais são executados com maestria e impressionam em todos os aspectos, desde o interior de um prédio abandonado até o som causado pelo corte na garganta de um inimigo rendido. Contando com conteúdos inéditos na versão Remastered, The Last of Us Part II entrega uma experiência acima da média graças ao trabalho primoroso desempenhado pela Naughty Dog (e também pela Nixxes Software, no caso da versão de PC).