Análise da série Twin Peaks (2ª temporada)
A primeira temporada de Twin Peaks nos apresentou um universo repleto de mistérios, dentre os quais o mais intrigante era o assassinato da jovem Laura Palmer (Sheryl Lee), que foi encontrada morta embrulhada em um saco plástico. Esse fato fez com que o agente especial Dale Cooper (Kyle MacLachlan) fosse enviado pelo FBI até a pacata cidade de Twin Peaks para auxiliar o xerife Harry Truman (Michael Ontkean) na investigação. Como você deve ter percebido, Cooper não é um agente tradicional e utiliza táticas pouco comuns para uma pessoa que ocupa o seu cargo – e é isso que faz dele o meu personagem favorito da série.
A história do segundo ano retoma os acontecimentos da cena final da temporada de estreia, mostrando o que aconteceu com Cooper após ele ter levado três tiros. Quem encontra o agente baleado e sangrando é um garçom (Hank Worden) do Great Northern Hotel, que tinha ido até o quarto de Cooper para levar o leite quente que ele tinha pedido. Embora Cooper peça para que ele chame um médico, o garçom não tem nem um pouco de pressa para tomar qualquer tipo de providência. Enquanto ainda estava caído no chão do quarto, Cooper tem uma nova visão do Gigante (Carel Struycken), que lhe diz novamente três coisas: “há um homem em um saco sorrindo”, “as corujas não são o que parecem” e “sem substâncias químicas, ele aponta”. O Gigante ainda pega o anel de Cooper e promete devolvê-lo quando o agente especial entendesse que tudo o que ele disse era verdade. Antes de desaparecer, o Gigante ainda revela haver uma pista na casa de Leo Johnson (Eric DaRe). Posteriormente, ainda no primeiro episódio, o Gigante reaparece para Cooper com novas informações.
Temos uma série de situações inusitadas naquilo que podemos chamar de primeira parte da temporada (episódios 1 a 9). Para começar, Leland (Ray Wise) aparece com o cabelo completamente branco e começa a cantarolar e a dançar com uma certa frequência. Teria ele ficado louco após a morte de sua filha? Assim que se recupera, Nadine (Wendy Robie) passa a ser detentora de uma força física sem precedentes, além de se sentir uma jovem do colegial. Leo Johnson é liberado do hospital, mas está completamente imóvel – ele, que foi ruim a vida toda, agora sofrerá nas mãos de Shelly (Mädchen Amick) e Bobby (Dana Ashbrook). Catherine (Piper Laurie) e Josie (Joan Chen) estão desaparecidas após o incêndio na serraria e Audrey (Sherilyn Fenn) é mantida refém no Jack Caolho por Jean Renault (Michael Parks). Para completar, descobrimos existir um segundo diário de Laura Palmer (Sheryl Lee) na posse de um novo personagem.
A verdade é que Cooper não terá nenhum momento de paz. Além de tentarem lhe matar, Dale logo recebe a notícia de que Windom Earle (Kenneth Welsh), seu antigo parceiro, havia fugido de um hospital psiquiátrico. Alguns dias depois, seu chefe, Gordon Cole (David Lynch), vai pessoalmente visitá-lo para tomar conhecimento de alguns fatos ocorridos durante as investigações em Twin Peaks, além de levar uma mensagem que Earle tinha enviado para Cooper no endereço do FBI. Mas antes de poder pensar em Windom Earle, Cooper precisa desvendar todo o misticismo por trás do caso de Laura. Depois de conseguir um esboço do rosto de Bob (Frank Silva), Cooper e o xerife Truman recebem uma série de informações relevantes sobre o assassino de Laura no final do sexto episódio, o que inclui fatos relacionados à sua própria existência.
A sequência dos episódios sete, oito e nove é a melhor de toda a temporada. São nesses capítulos é que finalmente descobrimos quem “é Bob” e consequentemente quem matou Laura Palmer. Levando-se em conta que a segunda temporada conta com vinte e dois episódios, revelar o maior mistério da trama antes mesmo de sua metade pode parecer uma escolha equivocada. A verdade é que os criadores da série, Mark Frost e David Lynch, sofreram pressão da ABC (emissora original da série) para que o caso de Laura logo fosse solucionado. É importante observar que a forma como se consumia séries na década de 1990 era completamente diferente dos dias atuais. Twin Peaks foi um enorme sucesso porque ousou ir além daquilo que as produções da época entregavam. Sendo exibida no horário nobre de um canal de TV aberta, o fato do caso de Laura não ter sido solucionado no final da primeira temporada gerou estranheza nos telespectadores, que estavam acostumados a ver histórias serem concluídas no episódio final. Segurar o mistério por mais uma temporada (muito maior do que a primeira) não era algo que a emissora julgava acertado.
Depois disso, o restante dos episódios tem como principal atrativo o embate entre Dale Cooper e Windom Earle. Nesse momento, descobrimos detalhes do passado de Cooper, dentre eles, o motivo pelo qual o agente encontra dificuldade com relacionamentos amorosos. Somos apresentados a um verdadeiro jogo de xadrez, onde Cooper tenta impedir seu antigo parceiro matar novas pessoas. A história acaba se misturando com o lado místico da cidade, envolvendo até mesmo um pictograma existente em uma das cavernas da região. Windom Earle arruma um ajudante inusitado e consegue uma forma de obter ampla vantagem em relação ao trabalho da polícia. A segunda parte da temporada não mantém a mesma intensidade vista nos episódios envolvendo o caso de Laura, mas ainda conseguiu me surpreender com um excelente final de temporada.
Considerações finais
Embora não seja tão boa quanto a temporada de estreia, o segundo ano de Twin Peaks também tem seus méritos. Eu diria que a série poderia ter acabado no excelente nono episódio, mas Lynch e Frost tinham mais para entregar. O único ponto negativo é o fato da história envolvendo Windom Earle demorar muito para empolgar, o que resulta em um desenvolvimento lento de vários episódios no meio da temporada. Na reta final, porém, a trama volta a ficar extremamente interessante e novamente entrega capítulos de altíssima qualidade, principalmente se formos levar em conta as limitações existentes à época, bem como o valor mais baixo de orçamento que as séries tinham nos últimos anos do século XX.
Rompendo barreiras e abrindo espaço para que séries surrealistas ganhassem cada vez mais espaço na TV, Twin Peaks acabou sendo vítima de sua própria ousadia e sofreu uma severa interferência da emissora que a exibia. Isso certamente acabou prejudicando muito a atração, mas não a impediu de se tornar um dos seriados mais importantes da televisão. Todo o sucesso alcançado pela atração é fruto de um conjunto de enredo ousado, excelentes atuações, trilha sonora impecável e direção de respeito. A televisão não estava pronta para Twin Peaks, essa que é a verdade. Uma série de estratégias equivocadas adotadas pela ABC acabou derrubando sua audiência e culminou em um amargo cancelamento após a conclusão da segunda temporada. Mas esse não era o fim: além do filme lançado em 1992, a atração ganharia uma continuação mais de 25 anos depois.
Nota
★★★★☆ – 4 – Ótimo
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