Análise do jogo I Did Not Buy This Ticket

Ir ao velório de alguém nunca é uma experiência agradável, já que lá encontramos pessoas que estão sofrendo com a perda de um ente querido. Por outro lado, prestar apoio e solidariedade nesses momentos difíceis é um gesto bonito de ser feito. Se existem indivíduos que não gostam de frequentar esses ambientes, outros fazem disso uma profissão: as carpideiras são mulheres que recebem para chorar pelos defuntos durante os funerais. Levando-se em conta que não há nenhum tipo de vínculo com os falecidos, as lágrimas são desprovidas de qualquer tipo de emoção.
Em I Did Not Buy This Ticket, o jogador assume o papel de Candelária, uma mulher que atua como carpideira no seu tempo livre. Logo no começo do game, nossa primeira ação é justamente lamentar pela pessoa que está sendo velada. A protagonista então faz uma breve reflexão sobre as lágrimas que escorriam pelo seu rosto e o comportamento que ela adotava para tornar seu trabalho o mais real possível. Falando com o filho do falecido após o sepultamento, ele se mostra surpreso pela performance desempenhada: Candelária parecia estar realmente sofrendo, ao contrário de alguns dos parentes que estavam presentes. Precisando comparecer em outro velório na manhã seguinte, a protagonista se despede do cliente e vai para a rodoviária.
É nesse instante que as coisas começam a ficar estranhas. Revistando seus pertences, Candelária percebe que tinha consigo um bilhete da Linha Eigengrau, embora não o tivesse comprado, como sugere o título do jogo. Apesar dessa peculiaridade, a personagem decide embarcar no ônibus e se depara com uma situação curiosa: todos os assentos estavam identificados pelo número 000, o mesmo que constava na sua passagem. O veículo é dirigido por um motorista que até tenta ser simpático, mas vira e mexe solta algumas frases bem instigantes, sugerindo que aquela não era uma linha normal… e de fato não era. Para dar um breve exemplo, dormir durante as viagens noturnas não só é impossível como também é proibido pela viação. Mais bizarro do que essa regra é o insistente e perturbado cobrador, que nos adverte e desconfia de nossas ações.
Dependendo das escolhas que tomamos, podemos fazer até quatro viagens na Linha Eigengrau e em todas elas presenciamos situações inusitadas e que fazem a protagonista reviver traumas do passado. Independente de qual seja o destino de Candelária ou se ela havia comprado um bilhete, o ônibus sempre estava à sua disposição e percorria o trajeto que ela precisava. Assim como a própria protagonista aceita essa situação em um determinado momento, não nos cabe questionar como isso é possível, devemos apenas seguir a jornada e tentar descobrir novos detalhes sobre essa complexa e obscura história.
Completando toda a aventura, I Did Not Buy This Ticket pode ser concluído em pouco mais de uma hora, mas é possível alcançar outros finais em metade desse tempo. A cada vez que conseguimos atingir pontos específicos do enredo, desbloqueamos artes que podem ser acessadas na galeria de imagens no menu do game. Isso serve de incentivo para iniciar um novo jogo, testar novas opções de diálogo e ver qual será o desfecho. Considerando que o game apresenta mais de uma dúzia de finais, ainda tenho muito o que descobrir.
Em se tratando de um romance visual, não há segredos quanto a jogabilidade, basta acompanhar os diálogos e escolher uma das opções que aparecem na tela. A narrativa e o estilo de arte peculiar são responsáveis por criar uma atmosfera que causa estranheza e desconforto já nos minutos iniciais. Por outro lado, os efeitos sonoros deixam um pouco a desejar, mas ainda assim possuem um papel importante para a imersão. Já a trilha sonora me agradou, ela é discreta e marca presença em momentos específicos.
Escrito por Tiago Rech (No Place for Bravery e Dodgeball Academia) e com artes de Lírio Ninotchka, I Did Not Buy This Ticket está disponível a partir de hoje no PC (via Steam). O jogo é distribuído pela publicadora brasileira Time Galleon, a quem agradecemos por nos ter fornecido uma cópia para esta análise.
Especificações do computador utilizado para a análise: Ryzen 7 5700X, RTX 3060 12 GB, 32 GB de memória RAM DDR4 3200Mhz.
Considerações finais
Pegar uma linha de ônibus nunca havia me deixado tão desconfortável. Em I Did Not Buy This Ticket embarcamos em uma aventura surrealista e que a todo momento nos surpreende com suas excentricidades, seja pelo estilo artístico ou o enredo extremamente bem trabalhado. Esse é aquele tipo de jogo que nos desperta a curiosidade de querer saber mais, o que acaba sendo essencial, já que o título é bem curtinho. Ir atrás das minuciosidades da história de Candelária rende algumas boas horas extras de jogatina.
Apostando na simplicidade, I Did Not Buy This Ticket faz muito bem o que se propõe e utiliza todos os seus recursos para entregar uma ótima e perturbadora experiência de terror psicológico. Se você gosta de visual novels, essa é uma oportunidade de vivenciar algo que foge completamente do tradicional. Caso nunca tenha tido contato com o gênero, o game será uma boa porta de entrada.
Nota
★★★★☆ – 4 – Ótimo
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Criador e editor do Portal E7, Herbert é advogado, amante de games e séries. Gamertag/ID: "HerbertVFV".
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