Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis: resumo e estudo do livro
1. Breve relato
Brás Cubas escreve suas memórias já morto. Ele inicia a narração nos seus últimos momentos de vida, quando recebia visitas, ele viveu uma alucinação que o permitiu conhecer do primeiro ao último século.
Brás Cubas vinha de uma família rica. Era um menino arteiro, mimado e protegido pelos pais. Sem nunca ter responsabilidades e culpas, passou a infância e chegou à mocidade. Foi nela que conheceu Marcela, uma espanhola, por quem se apaixonou. Conquistou-a e viveu um romance. Brás enchia-a de caros presentes e foi assim que gastou um pouco de sua herança.
Seu pai, nessas circunstâncias, o mandou à Europa para cursar a faculdade. Ele acabou aceitando, mas pretendia partir levando Marcela, com quem tudo já estava ajustado. Porém, sua partida foi repentina e ele foi sozinho. Durante a viagem por muitos dias pensou em findar sua vida, no entanto, abandonou a ideia.
Chegado à Europa fez faculdade, formou-se e ficou vivendo lá. Voltou a chamado de seu pai, falando que voltasse ou não veria sua mãe viva. Poucos dias após a chegada de Brás sua mãe faleceu. Depois disso ele se trancou em casa e ficou a se dedicar à leitura. Passado algum tempo seu pai esteve com ele.
Tinha um plano para Brás. A carreira política e o casamento. Brás pensou por um tempo e acabou aceitando a proposta do pai. A noiva, Virgília, era bela e seu pai facilitaria a entrada na política. Mas antes de voltar para a casa do pai e seguir com os dois ideais, Brás fez uma visita à Dona Eusébia, conhecida da família ela cuidara de sua mãe antes da morte. Lá conheceu Eugênia, filha da senhora. Os dois viveram um breve romance, mas a moça era coxa, e assim como começou acabou.
Brás finalmente foi ter com a noiva e o futuro cargo na política. Mas os dois planos deram errado e Virgília acabou casada com Lobo Neves. Após tais acontecimentos o pai de Brás faleceu, a morte dele acarretou uma briga entre Brás e Sabina, sua irmã, devido à herança.
Brás voltou a viver sozinho, escrevia versos algumas vezes e era por isso que recebia a visita de Luis Dutra. Foi por intermédio desse que recebeu a notícia da chegada de Virgília e seu marido. Talvez o momento em que os dois noivaram não era adequado, mas nesse momento era o tempo e assim os dois iniciaram um romance. No início eram só valsas, mas logo arrumaram uma casa onde se encontravam.
Foi nesses tempos que Brás encontrou-se com um amigo de infância, Quincas Borba, infelizmente ele tinha se tornado um desgraçado. Mas Brás seguiu. Em certo momento de seu romance com Virgília chegou até as mãos de Lobo Neves uma carta anônima denunciando o romance dos dois. O que só desencadeou mais paixão. Brás já tinha proposto que os dois fugissem, mas a ideia foi abandonada e seguiam com o romance às escondidas.
Lobo Neves recebeu uma proposta de trabalho no ministério, na província, isso abalou o romance dos dois amantes. Mas Lobo convidou Brás para que fosse seu secretário e assim foi. Ganhada as eleições acabaram abandonando o cargo por pura superstição.
Seguiram o romance, que era acobertado por D. Plácida, que zelava da casa dos encontros. Por esse tempo Virgília engravidou e Brás sentiu o prazer da paternidade, entretanto ela perdeu a criança. Também nesse tempo Brás tinha feito as pazes com sua irmã e ela lhe buscava uma noiva.
Em uma vez, estando Virgília e Brás na casa onde se encontravam, apareceu por lá Lobo Neves sobre o pretexto de visitar D. Plácida. Brás se escondeu. Tudo acabou bem, mas daí para frente o romance dos dois amantes encerrou. Lobo acabou conquistando a presidência do ministério e eles partiram para a província.
Brás se reencontrara novamente com Quincas Borba, mas desta vez ele tinha se transformado por virtude de uma herança, os dois entraram em um estudo filosófico sobre a filosofia Humanista de Quincas. Já nesses tempos, Sabina arrumara uma noiva para Brás. Eulália Damasceno. Depois de muito refletir, Brás estava quase a firmar compromissa com a donzela, quando ela veio a falecer por febre amarela.
Daí pra frente, Brás se juntara a Quincas no praticar da filosofia Humanista, candidatou-se a político, cargo que logo perdeu, e criou um jornal que rapidamente morreu. Nos seus últimos dias viu Quincas morrer e ter o início de uma loucura, por fim morreu.
Ao fim, Brás Cubas se vangloria por não ter tido um pão compro com o suor de seu trabalho e não ter dado continuidade à humanidade.
2. Análise da obra
É a obra inaugural da fase realista de Machado de Assis, representando uma verdadeira revolução de ideias e formas: de ideias, porque aprofunda o desprezo pelas idealizações românticas, fazendo emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente; de formas, pela ruptura com a linearidade da narrativa e pelo estilo “enxuto”. É também obra inaugural do romance psicológico no Brasil.
É a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado de Assis atinge o ponto mais alto e equilibrado da ficção brasileira.
É o drama da irremediável tolice humana. São as memórias de um homem igual a tantos outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas, que tudo tentou e nada deixou. A vida moral e afetiva é superada pela existência biologicamente satisfeita, e as personagens se acomodam cinicamente ao erro.
3. Estrutura da obra
A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma lógica narrativa surpreendente e inovadora. A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além-túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida. No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever.
O pacto de verossimilhança sofre um
choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade
das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa
incomum situação.
choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade
das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa
incomum situação.
Organizados em blocos curtos, os 160 capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas fluem segundo o ritmo do pensamento do narrador. A aparente falta de coerência da narrativa, permeada por longas digressões, dissimula uma forte coerência interna, oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a visão de mundo de um homem que passou pela vida sem realização nenhuma, apenas ao sabor de seus desejos.
Logo nas primeiras páginas, o escritor brinca com a expectativa do leitor de chegar logo às ações do romance. Machado de Assis, por intermédio do seu narrador, se dirige diretamente ao leitor, metalinguisticamente, para comentar o livro. Diz Brás Cubas:
“Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem”.
4. Personagens
Brás Cubas – narrador – morto aos 64 anos – “ainda próspero e rijo”, fidalgo. Peralta quando criança, mimado pelo pai, irresponsável quando adolescente, tornou-se um homem egoísta a ponto de discutir com a irmã pela prataria que fiou de herança do pai e tornar-se amante de seu amigo, Lobo Neves, se bem que nesse romance não se pode dizer propriamente que alguém é amigo de outro.
Virgília – filha do comendador Dutra, segundo o pai de Brás, Bento Cubas A “Ursa Maior” amante de Brás Cubas casa-se com Lobo Neves por interesse. Mulher bonita, ambiciosa, que parece gostar sinceramente de Brás Cubas, mas jamais se revela disposta a romper com sua posição social ou dispensar o conforto e o reconhecimento da sociedade.
Damião Lobo Neves – casado com Virgília, homem frio e calculista. Marido de Virgília, é sério, integrado ao sistema, ambicioso, mas muito mais supersticioso, pois recusou nomeação pra presidente de uma província só porque a referida nomeação aconteceu num dia 13.
Quincas Borba – menino terrível que dava tombos no paciente professor Barata, colega de escola de Brás que o encontrará mais tarde mendigo que rouba-lhe um relógio mas retorna-o ao colega após receber uma herança. amigo de infância do protagonista. Desde criança era de um temperamento ativo, exaltado, querendo ser sempre superior nas brincadeiras. Cubas diz que ele é impressionante quando brinca de imperador. Quando adulto, passa pelo estado de mendigo, evoluindo depois para filósofo e desenvolve um sistema filosófico, denominado Humanitismo, que pretende superar e suprimir todos os demais sistemas até tornar-se uma religião.
Marcela – primeira paixão da adolescência, é uma prostituta de elite, cujo amor por Brás duraria quinze meses e onze contos de réis. Mulher sensual, mentirosa, amiga de rapazes e de dinheiro. Ganha muitas joias do adolescente Brás Cubas. Contrai varíola e fica feia, com a pela grassa como uma lixa.
Sabina – irmã do narrador e que, como ele, valoriza mais o interesse pessoa e a posição social do que amizade ou laços de parentesco.
Cotrin – casado com Sabina, é interesse, traficante de escravos e cruel com eles, mandando-os castigar até correr sangue.
Eugênia – filha de Eusébia e Vilaça, menina bela embora coxa. Era moça séria, tranquila, dotada de olhos negros e olhar direito e franco. Tinha “ideias claras, maneiras chãs, certa graça natural, um ar de senhora, e não sei se alguma outra cousa; sim, a boca exatamente a boca da mãe”.
Nhá Loló – Doa Eulália ou Nhã-loló, filha de Damasceno, sobrinha de Cotrim moça simplória, tinha dotes de soprano – morre de febre amarela.
Nhonhô – filho de Virgília.
João – Antigo oficial da infantaria e tio de Brás Cubas.
Ildefonso – Cônego e tio de Brás Cubas.
D. Emerenciana – Tia materna de Brás Cubas.
D. Plácida – empregada de Virgília confidente e protetora de sua relação extra conjugal.
5. Foco Narrativo
Com a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato do narrador-observador e protagonista, que conduz o leitor tendo em vista sua visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida. Dessa maneira, as memórias de Brás Cubas nos permitirão ter acesso aos bastidores da sociedade carioca do século XIX.
6. Considerações Finais
O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos.
A força da obra está justamente nessas não realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um representante.
O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito.
O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso.
Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir.