Espumas Flutuantes, de Castro Alves: resumo e estudo do livro

Castro Alves (1847-1871) apareceu numa época particularmente agitada da vida política e ideológica do Brasil. A ebulição daquele momento envolveu a literatura e fez da poesia declamada em espaços públicos (inclusive nas praças) uma forma privilegiada de comunicação.

Era um tempo em que se faziam frequentemente comícios e se discutia a Guerra do Paraguai, a questão militar, os problemas centrais do Segundo Império, a viabilidade da República etc.

Com seu discurso de tom elevado e sua figura bela e empolgante, o poeta chegava na hora certa. Foi consagrado principalmente porque sua eloquência agradava muitíssimo ao público da época em que viveu. 


1. Análise da obra 

Único livro de poesia publicado pelo autor em vida. Temática social e política inspirada em visão libertária. De vida breve e trágica, o poeta baiano foi um grande nome do romantismo.


Publicado em 1870, é a única obra de Castro Alves que teve a edição revisada pelo autor. O título sugere transitoriedade, pois o poeta sente que seu fim está próximo. O volume contém 53 poemas lírico-amorosos e poemas de caráter épico-social.


Ao tratar do amor, Castro Alves refere-se não só à mulher de forma idealizada, mantendo as tradições do Romantismo, mas destoa do movimento ao buscar o amor carnal, real e tingido com as cores do erotismo – “Boa-noite, Maria! É tarde… é tarde… / Não me apertes assim contra teu seio.” (em “Boa-noite”). Em “Espumas Flutuantes”, Castro Alves retoma o tema do amor em sua sensualidade e em sua realização. Transformando o sentimento amoroso em pleno sentido de prazer e sofrimento, descreve cenas oportunas da paixão humana. Em “O adeus de Teresa”, em “Onde estás?” e em “É tarde!”, por exemplo, percebemos a plenitude do lirismo de Castro Alves.


Ainda dentro das produções líricas, o poeta refere-se à natureza que, em seus versos, se torna vibrante e concreta, emoldurada por um sistema dinâmico de imagens que geralmente são tomadas de aspectos grandiosos do universo – o mar, os astros, a imensidão ou o infinito.


Devem ser destacados os seus versos de cunho existencial que ganham plenitude quando apregoam o gozo e os prazeres da vida – “Oh! eu quero viver, beber perfumes / Na flor silvestre que embalsama os ares (…) Morrer… quando este mundo é um paraíso, / E a alma um cisne de douradas plumas” (em “Mocidade e Morte”) -, marcando novo momento da literatura romântica no Brasil que, até então, embebia-se no pessimismo da geração do “mal do século”. 


A poesia lírica de Castro Alves, nas duas espécies principais, a amorosa e a naturalista, está representada em “Espumas Flutuantes”. Nesse livro, ao lado de traduções e paráfrases de Byron, Hugo, Musset, figuram também composições de caráter épico-social, como “O Livro e a América”, “Ode ao Dous de Julho”, “Pedro Ivo”, paradigmas do condoreirismo do poeta.


O mesmo já não acontece nos poemas em que o poeta registra êxtases e desalentos amorosos: “Hebréia, Boa Noite”, bem como o ciclo inspirado por Eugênia Câmara, ao qual pertencem entre outros, “O Gondoleiro do Amor”, “Hino ao Sono”, “É Tarde”. Em tais poemas, aparado das demasias verbais, o verso se faz sugestivo e as metáforas naturais, para expressarem a experiência amorosa em sua plenitude carnal e sentimental, plenitude que, entre os nossos românticos, Castro Alves foi o único a ostentar.


Destacam-se ainda, na pauta lírica, os momentos introspectivos de dúvida e fatalismo em face da existência (“Mocidade e Morte”) e, sobretudo, os de exaltação perante os espetáculos da Natureza, que, ajudado por uma sensibilidade eminentemente plástica e visual, o poeta fixou em belos quadros paisagísticos, que antecipam certa linha formal do Parnasianismo (“Sub Tegmine Fagi”, “Aves de Arribação”).



2. Estilo

Grandiloquente, linguagem ornamental, pontuação abundante, escolha vocabular cuidada. Utiliza quase todas as figuras de linguagem, como: metáfora, comparações, hipérboles, assonâncias, apóstrofes. Busca a grandiosidade poética, chegando aos exageros e ao mau gosto. Um traço marcante é a oralidade e a visível intenção de dizê-la para grandes platéias.


Nos poemas não há métrica definida, mas prefere os versos decassílabos. As estrofes são bem livres. Suas poesias têm um lírico ascendente, cujo final é uma apoteose ou uma explosão de seus sentimentos.



3. A Inspiração

Assim como a espuma, os poemas teriam sido gerados “do mar e do céu, da vaga e do vento”, o que significa que eles têm sua fonte na natureza. 


Mas além da natureza, são assinalados mais dois elementos inspiradores: a “musa – este sopro do alto” e o “coração – este pélago da alma”.

Sendo assim, as fontes são:

•Natureza (mar, céu, vaga e vento)

•Inspiração artística divina (musa, sopro do alto) 

•Sentimentalismo ( coração, alma)

Os poemas são crepusculares e marcados pelo sentimento de solidão, são abatidos pela sensação de desgraça, mas são, também capazes de celebrar a beleza, a felicidade e o entusiasmo, por força da “aliança de Deus com a juventude!”

Em tom de melancolia, de despedida, os companheiros de juventude e de academia são evocados no início e no final do texto, quando o poeta, que sentia a vida por um fio, declara o desejo de que sua poesia fosse lembrada.



4. Temas e formas

1. O amor e a mulher

Contrapondo-se ao amor irrealizado e não-correspondido que vogava até então, Castro Alves acrescenta­lhe a realização plena.


Pelas páginas de “Espumas Flutuantes”vemos passar indícios de paixão integralcomo a sensualidade de “Adormecida”, o ciúme de “O Adeus de Teresa”, e um emaranhado de seios, colos, cabelos e perfumes, que sensualizam os perfis femininos de Castro Alves.


Uma noite, eu me lembro… Ela dormia


Numa rede encostada molemente…


Quase aberto o roupão… solto o cabelo


E o pé descalço do tapete rente.


(Adormecida)


Quando voltei.., era o palácio em festa!…


E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra


Preenchiam de amor o azul dos céus.


Entrei!… Ela me olhou branca… surpresa!


E ela arquejando murmurou-me. “Adeus!”


(O Adeus de Teresa)


Caminham juntas a mulher-anjo, a amante e a prostituta, imagem assumida pela amada que lhe causa decepções.


Eras a estrela transformada em virgem!


Era um anjo, que se fez menina!


Era a estrela transformada em virgem.


(Murmúrios da Tarde)


Mulheres que eu amei!


Anjos louros do céu! virgens serenas!


Madonas, Querubins ou Madalenas!


Surgi! Aparecei!


(Fantasmas da Meia-Noite)


Curiosamente, chega a comparar espécies de amor em Os Três Amores, no qual aparecem o amor espiritual e místico de Tasso (que ele retoma em Dulce), o autor voluntarioso de Romeu (que ele volta a abordar em Marieta) e o amor não-convencional e vaidoso de D. Juan (que também aparece em Bárbora).


Certo…   serias tu, donzela casta, 


Quem me tomasse em meio do Calvário 


A cruz de angústia, que o meu ser arrasta!…


(Dulce)


Afoga-me os suspiros, Marieta!


Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!


Ai! noites de Romeu e Julieta!…


(Marieta)


Garganta de um palor alabastrino, 


Que harmonias e músicas respira… 


No lábio — um beijo… — no beijar — um hino;


(Bárbora)


2. A morte

Atingido desde cedo pela moléstia que lhe acabaria com a vida, Castro Alves nos mostra uma grande preocupação com a morte, encarada como amargurada expectativa face à sua pouca idade e um empecilho às grandes realizações de que se julga capaz.


Oh! eu quero viver; beber perfumes


Na flor silvestre, que embalsama os ares;


Ver minh ‘alma adejar pelo infinito,


Qual branca vela n ‘amplidão dos mares.


No seio de mulher há tanto aroma…


Nos seus beijos de fogo há tanta vida…


– Árabe errante, vou dormir à tarde


À sombra fresca da palmeira erguida


Mas uma voz responde-me sombria:


Terás o sono sob a lájea fria.


Morrer… quando este mundo é um paraíso,


E a alma um cisne de douradas plumas:


E eu sei que vou morrer.. dentro em meu peito


Um mal terrível me devora a vida:


Triste Ahasverus, que no fim da estrada,


Só tem por braços uma cruz erguida.


Sou o cipreste, qu ‘inda mesmo flórido,


Sombra de morte no ramal encerra!


Vivo – que vaga sobre o chão de morte,


Morto – entre os vivos a vagar na terra.


(Mocidade e Morte, anteriormente O Tísico)


Um dos autógrafos traz à margem: “No sótão, ao toque da meia-noite, quando o peito me doía e um pressentimento me pesava n’alma”. A data é “Recife, 7 de outubro de 1864”. Castro Alves tinha então 17 anos. Observe que, apesar da presença da morte, este poema é um hino de amor à vida, aos prazeres.


3. A Natureza

Castro Alves fundamenta suas imagens e metáforas nos aspectos grandiosos da natureza (infinito, oceano, deserto etc.) e é frequente a alusão às aves de grande porte (o condor, a águia, o albatroz).


Ao país do ideal, terra das flores,


Onde a brisa do céu tem mais amores


E a fantasia – lagos mais azuis…


E fui… e fui… ergui-me no infinito,


Lá onde o vôo d’águia não se eleva…


Abaixo – via a terra – abismo em treva!


Acima – o firmamento – abismo em luz!


(O Vôo do Gênio)


4. A consciência da própria grandeza

É frequente a alusão ao papel do poeta, à predestinação para as grandes causas, à missão de reformar a sociedade pela palavra poética.


Eu sinto em mim o borbulhar do gênio,


Vejo além um futuro radiante:


Avante! – brada-me o talento n ‘alma


E o eco ao longe me repete – avante! 


O futuro… o futuro… no seu seio…


Entre louros e bênçãos dorme a Glória!


Após – um nome do universo n’alma,


Um nome escrito no Panteon da História.


(Mocidade e Morte)


5. A liberdade

Não! Não eram dois povos que abalavam


Naquele instante o solo ensangüentado…


Era o porvir – em frente do passado,


A Liberdade – em frente à Escravidão,


Era a luta das águias – e do abutre,


A revolta do pulso – contra os ferros.


O pugilato da razão – contra os erros


O duelo da treva – e do clarão!…


(Ode ao Dous de Julho)


Observe a freqüência das antíteses.


6. A crença no progresso

Ao contrário da tendência regressiva, ressentida e passadista das gerações anteriores, que viam com desconfiança o progresso, Castro Alves, típico representante da burguesia liberal progressista, vê com entusiasmo a chegada da locomotiva, da instrução, do livro.


Oh! Bendito o que semeia


Livros, livros à mão-cheia…


E manda o povo pensar!


O livro caindo n ‘alma


É germe – que faz a palma.


É chuva que faz o mar


Agora que o trem de ferro


Acorda o tigre no cerro


E espanta os caboclos nus,


Fazei desse rei dos ventos


Ginete dos pensamentos


Arauto da grande luz!…


(O Livro e a América)


7. A poesia participante

Aqui, o ideal republicano:


República!… Vôo ousado


Do homem feito condor!


Raio de aurora inda oculta


Que beija a fronte ao Tabor!


Deus! Por qu‘enquanto que o monte


Bebe a luz desse horizonte,


Deixas vagar tanta fronte,


No vale envolto em negror?!


(Pedro Ivo)


(Pedro Ivo foi herói da Revolução Praieira, e símbolo do ímpeto revolucionário para os jovens de seu tempo.)


Aqui, o “povo no poder”:


A praça! A praça é do povo


Como o céu é do condor;


É o antro onde a liberdade


Cria águias em seu calor


Senhor!… pois quereis a praça?


Desgraçada a populaça


Só tem a rua de seu…


Ninguém vos rouba os castelos,


Tendes palácios tão belos…


Deixai a terra ao Anteu.


(O Povo no Poder)


Observe neste texto, e no anterior, as alusões ao condor. Este último poema é dos mais típicos de Castro Alves e inspirou música de carnaval de Caetano Veloso e uma paródia irônica de Carlos Drummond de Andrade:


“A PRAÇA! A PRAÇA É DO POVO!” 

Não, meu valente Castro Alves, engano seu.


A praça é dos automóveis. Com parquímetro.



Fontes: [1] [2]

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