Análise da série Cidade Invisível (1ª temporada)
Quando era criança, você certamente ouviu falar de figuras clássicas do folclore brasileiro, como o saci, o curupira, a cuca, a mula sem cabeça, dentre outros. Nas poucas vezes que essas lendas foram exploradas em obras audiovisuais, o público alvo geralmente era o infantil. Cidade Invisível rompe com essa premissa e constrói uma narrativa madura, retratando parcela desses personagens residindo no ambiente urbano e adotando um estilo de vida discreto.
A trama tem início com um evento trágico envolvendo Gabriela (Julia Konrad), mulher do detetive Eric (Marco Pigossi). Ocupado com as tarefas do trabalho, o policial ambiental deixa de acompanhar a esposa e a filha, Luna (Manu Dieguez), em uma festa junina na Vila Toré, local em que Gabriela trabalha. Durante o momento de descontração, um incêndio começa na floresta que cerca a comunidade, pegando todos de surpresa. Sem avistar Luna, Gabriela entra na mata para procurá-la e de lá não sai mais. Ao comparecer no local, Eric encontra sua esposa morta na floresta. Detalhe: o olho de Gabriela continha apenas a esclerótica (parte branca), não havia sinais da íris nem da pupila.
Passado um mês, Eric ainda tem algumas visões da esposa. Pensando no bem-estar de sua filha, o policial pede para que sua avó, Januária (Thaia Perez), se mude temporariamente para a sua casa, já que em decorrência do serviço ele ficava várias horas fora e era incapaz de dar a atenção necessária para Luna. No trabalho, Eric tenta a todo custo convencer seu chefe a não enviar o caso envolvendo o óbito de sua mulher para a delegacia de homicídios. A companheira do policial, Márcia (Áurea Maranhão), está empenhada em ajudá-lo a investigar os eventos ocorridos na noite da morte de Gabriela, mas as atitudes estranhas de Eric fazem com que ela comece a perder a confiança nele.
Um dia, enquanto caminhava pela orla, Eric se depara com um boto cor-de-rosa na praia. Enquanto analisava o animal, as pessoas que o cercavam misteriosamente desaparecem. Sem receber o apoio necessário da polícia, o detetive coloca o boto na carroceria de sua caminhonete e vai até a Vila Toré, junto com Márcia, atender outra ocorrência. Como não conseguiu fazer uma perícia no animal, ele decide levá-lo para casa. À noite, depois de escutar alguns barulhos, Eric vai até seu veículo e descobre que o boto havia se transformado em um ser humano. Esse é só o começo de uma sequência bizarra de eventos que o policial não é capaz de explicar.
Do outro lado da história, a situação está bem clara: alguém está matando as entidades do folclore. Inês (Alessandra Negrini), Camila (Jessica Córes), Tutu (Jimmy London) e Isac (Wesley Guimarães) – que representam Cuca, Iara, Tutu Marambá e Saci, respectivamente – tentam agir para evitar novos óbitos e trabalham para ocultar os corpos dos seres mitológicos que foram vítimas de homicídio. O Curupira (Fábio Lago), conhecido como Iberê, é o único que não manifesta nenhum tipo de interesse nesses acontecimentos, sendo também o mais deslocado do grupo. Ao longo da temporada, vamos compreendendo melhor o papel que cada personagem exerce, bem como vemos todos eles em ação, momentos em que percebemos a qualidade técnica da série. Em contrapartida, notei pequenos erros de sequências em alguns episódios. No primeiro capítulo, a água proveniente do gelo derretido não aparece escorrendo da carroceria da caminhonete de Erick durante os seus deslocamentos. Já no episódio final, o brinco de Camila muda da orelha esquerda para a direita em uma das cenas. São pequenos detalhes que certamente serão notados por poucos telespectadores.
Se a região da Vila Toré parece ser a origem de todos esses eventos, a comunidade de pescadores também ganha destaque por outro fator: uma empresa quer fazer um investimento na área, mas antes precisa convencer todos os moradores a saírem do local. Basicamente, a ideia foi mostrar a tentativa de destruição de mais um trecho de floresta na cidade do Rio de Janeiro. A princípio, essa subtrama parece não se encaixar com a temática, mas com o desenrolar das coisas descobrimos a sua ligação com o universo mágico de Cidade Invisível.
Considerações finais
A investigação é a porta de entrada para conectar Eric e Márcia a um universo até então desconhecido por eles, mas esse é justamente o ponto mais fraco da narrativa, já que a trama policial está repleta de clichês e apresenta alguns fatos que fogem da realidade jurídica brasileira. Por outro lado, a abordagem folclórica é extremamente bem feita e empolgante, ocasião em que Cidade Invisível mostra todo o seu potencial. Visando também conquistar o público internacional, a atração criada por Carlos Saldanha, com roteiros de Raphael Draccon e Carolina Munhóz, tem um desenvolvimento bastante didático, deixando bem claro para o espectador os poderes que cada ser possui.
A série também capricha no aspecto visual, contando com uma belíssima abertura e bons efeitos especiais. O elenco, no geral, entrega interpretações convincentes, elevando o padrão da atração. Destaco o trabalho de Alessandra Negrini, que dá vida a uma Cuca diferente daquela que estávamos acostumados a ver, e Fábio Lago, que interpreta o Curupira. Existem pequenos problemas, mas eles são mínimos se comparados com o todo. Como é bom ver o Brasil produzindo obras audiovisuais de qualidade, que valorizam e exportam a nossa rica cultura para o mundo.
Nota
★★★★☆ – 4 – Ótimo
★★★★☆ – 4 – Ótimo
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