Análise da minissérie I May Destroy You

Arabella (Michaela Coel) possui um grande número de seguidores no Twitter e sua popularidade fez com que ela lançasse um livro composto exclusivamente por publicações que foram feitas na rede social. Estando agora no meio do processo criativo de sua segunda obra, a jovem não consegue ter inspiração para desenvolver a história. O prazo para entregar uma prévia do novo livro está acabando e a protagonista não escreveu praticamente nada. Uma viagem para a Itália, que deveria servir como inspiração, acabou terminando apenas em diversão. De volta a Londres, ela tenta correr contra o tempo para finalizar o projeto.

Tendo planejado passar a noite inteira escrevendo no escritório de seus representantes, Arabella decide dar uma pausa momentânea para se encontrar com um amigo e tomar um drink. Na manhã seguinte, ela acorda com um machucado na testa e a tela do celular toda quebrada, mas não consegue se lembrar o que aconteceu. A personagem até tenta redigir algumas páginas para apresentar uma prévia do trabalho, mas o resultado é algo que nem ela é capaz de explicar. Com dificuldades até para encontrar o caminho de casa, a personagem está completamente fora de si. Aos poucos, Arabella começa a ter vagas lembranças do que aconteceu na noite anterior e percebe que foi vítima de um estupro.

Com a ajuda dos amigos Terry (Weruche Opia) e Kwame (Paapa Essiedu), Arabella tenta encontrar maneiras de levantar informações sobre os eventos ocorridos nas últimas horas e depois decide ir até uma delegacia para denunciar o ocorrido. O grande problema é que ela tem pouquíssimos detalhes para repassar e ainda tem dúvidas se aquilo realmente aconteceu. No curso das investigações, Arabella descobre que havia sido vítima de um novo estupro quando um de seus parceiros retirou a camisinha sem o seu consentimento, da mesma forma que Kwame percebe que ele também sofreu uma agressão sexual.

I May Destroy You procura demonstrar, de uma forma bem humana, como esse tipo de conduta pode causar traumas profundos na vida das pessoas. Como se já não bastasse a dificuldade que a vítima tem ao ter que relembrar o fato trágico para transmiti-lo a terceiros, o pior é ver o seu relato ser desacreditado por quem, por obrigação legal, deveria lhe prestar algum tipo de assistência – uma completa falta de empatia. A história é ambientada na Inglaterra, mas os fatos nela retratados podem facilmente ser encaixados na nossa realidade.

No sexto capítulo, conhecemos Theo (Harriet Webb), uma antiga colega de escola de Arabella e Terry, que hoje lidera um grupo de apoio para pessoas que sofreram abuso sexual. Flashbacks exploram o complicado passado de Theo e as atitudes polêmicas em que ela esteve envolvida. Quando era jovem, ela acusou um colega de tê-la estuprado, sendo que houve aquiescência para a relação sexual, mas ao mesmo tempo uma fotografia foi feita sem que ela concordasse. Essa história ganha outros desdobramentos e no fim Theo pratica até mesmo racismo contra seus colegas negros. É difícil fazer algum juízo de valor sobre os atos da personagem, principalmente se formos analisar as questões familiares em que ela esteva envolvida. Acredito que a ideia foi retratar como qualquer tipo de abuso pode gerar traumas e que não se compensa um erro praticando outro. O problema é que quem está no meio do caos nem sempre consegue ter essa percepção e parte para caminhos mais fáceis, como a vingança.

A atração foi inspirada em um fato real vivenciado por Michaela Coel, criadora, roteirista, codiretora e protagonista de I May Destroy You. Em 2018, durante a realização de um festival, Michaela revelou ter sido abusada sexualmente enquanto escrevia o roteiro do sitcom Chewing Gum. Embora o consentimento sexual seja um tema recorrente, a minissérie também foca no processo de escrita do novo livro de Arabella e no estilo de vida dela e de seus amigos. Terry, por exemplo, está em busca de um emprego como atriz, enquanto o preparador físico Kwame parece gastar grande parte do seu tempo livre em aplicativos de namoro. As subtramas são bem desenvolvidas e entregam desfechos surpreendentes. No fim, tudo se resume às condutas humanas e os gestos, por mais simples que pareçam, podem contribuir para amenizar ou agravar aquilo que está sendo enfrentado por outras pessoas.

Considerações finais
Mesmo tratando de temas extremamente sérios, a minissérie da BBC e HBO consegue apresentar uma abordagem leve, apostando até mesmo em algumas pitadas de humor. Arabella é uma personagem muito espontânea e expressiva, de modo que suas caras e bocas fazem com que grande parte das cenas sejam estranhamente divertidas. O mérito fica totalmente por conta de Michaela Coel, que desempenha um grande trabalho não apenas como protagonista, mas também na parte técnica.

Composta por doze episódios de meia-hora cada, I May Destroy You começa e termina muito bem, mas no decorrer dos capítulos existem momentos em que a atração perde um pouco de fôlego. O grande diferencial é que Arabella em momento algum se vê ou se coloca como vítima de uma agressão sexual. Não que ela não se importe com o que aconteceu, muito pelo contrário. A personagem está passando por um processo de assimilação para que posteriormente consiga alcançar o estágio de superação.

Nota
★★★★☆ – 4 – Ótimo

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Criador e editor do Portal E7, Herbert é advogado, amante de games e séries. Gamertag/ID: "HerbertVFV".
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