Análise do jogo Sand Land

No dia 8 de março de 2024, o mundo recebeu a triste notícia do falecimento de Akira Toriyama, renomado criador de obras como Dr. Slump e Dragon Ball. Foram 45 anos de uma carreira brilhante que marcou gerações através de produções para as mais diversas mídias do entretenimento. Dentre as várias pérolas lançadas durante esse tempo está Sand Land, um dos maiores sucessos do autor após a conclusão da jornada de Son Goku. Até o ano passado, a obra existia apenas como um mangá de volume único, o que mudou graças a uma iniciativa de expansão elaborada pela Bandai Namco, que transformou a história em longa-metragem, série animada e também em jogo, o qual analisaremos a seguir.

Sand Land é um RPG de ação em mundo aberto com jogabilidade baseada principalmente no uso de veículos. O enredo se divide em dois arcos, sendo o primeiro uma adaptação fiel do mangá homônimo e o segundo sua sequência direta, elaborada por Toriyama com o objetivo de complementar o game e o anime. No começo do jogo acompanhamos o cotidiano dos demônios, um dos vários povos que vivem no país Sand Land, onde a pouca água que restou após uma grande seca é totalmente controlada pelo maligno exército real. E por mais irônico que possa parecer, os demônios não são exatamente ruins. Na verdade, apesar de sempre pregarem peças nas pessoas, eles acabam ajudando os necessitados. O protagonista, Beelzebub, representa muito bem essa moralidade: mesmo sendo filho do temido Lucifer, ele é simpático e se comporta como um garoto travesso.

A história inicia de fato a partir da chegada do humano Rao, que vai ao Reino dos Demônios em busca de bravos guerreiros que aceitem acompanhá-lo na busca pelo misterioso Lago Lendário. Beelzebub, com seu espírito aventureiro, aceita o convite mediante o pagamento de um console de última geração. Com ele vai também Thief, seu fiel companheiro nada corajoso ou heroico. Ainda no comecinho da jornada conhecemos a última integrante do grupo, Ann, uma personagem original tão sinérgica com os demais que rapidamente se torna indispensável. Juntos, os quatro formam um grupo disfuncional, engraçado e harmonioso, que dão alma ao enredo através de suas interações. Ao mesmo tempo, é a partir dessa qualidade que nos deparamos com um dos principais problemas do jogo: as cutscenes.

Minha experiência foi inteiramente baseada no áudio em japonês, que é expressivo e intenso, assim fortificando a excelente dinâmica entre o quarteto protagonista. Porém, as animações mostram dificuldade em imprimir essa qualidade, apresentando cenas robóticas quase inexpressivas. Tal discrepância prejudica a imersão e afeta consideravelmente a conexão emocional com a história – que, apesar de ter doses significativas do bom humor de Akira Toriyama, conta com uma série de situações comoventes muito bem escritas e personagens moralmente complexos. Outro ponto de crítica fica nos momentos stealth, o sistema furtivo simplesmente não sustenta as tediosas sessões em que ele é incluído. A precariedade é extrema, apenas permitindo que o jogador se agache e ataque inimigos pelas costas. Além disso, a dificuldade é completamente artificial, com inimigos terrivelmente burros repentinamente te vendo num esconderijo afastado, o que resulta no retorno ao último checkpoint.

Por outro lado, os confrontos corpo a corpo são extremamente divertidos. A mecânica é simples, baseada em socos fracos e fortes, mas tudo flui bem. Conforme você avança na campanha, alguns poderes são desbloqueados, tornando a experiência menos superficial. Há, inclusive, uma árvore de habilidades disponível, porém ela se prende à evoluções rasas, como melhorias percentuais em certos aspectos do personagem. Além disso, é possível desbloquear funções de suporte para seus companheiros. Inicialmente a maioria não será útil, mas eventualmente auxílios melhores começam a surgir. E mesmo com essas adições, o combate direto nunca se torna denso, o que é completamente razoável, afinal, esta é uma mecânica secundária e quase sempre opcional. A verdade é que a maior parte das batalhas são travadas dentro de um veículo.

Os automóveis são a marca de Sand Land desde o lançamento do mangá. Graças ao incrível traço de Toriyama, tanques e carros se tornaram intrínsecos ao universo da obra e, felizmente, a equipe da ILCA teve o devido carinho com esse elemento, apresentando uma imensa variedade de veículos, todos muito diferentes, customizáveis e agradáveis de controlar. Cada um têm seus pontos positivos e negativos, incentivando a exploração de diferentes táticas de combate e também a busca por novos apetrechos que possam evoluir suas máquinas. Aqui a evolução não vem a partir de porcentagens, a troca de uma simples arma secundária pode resultar numa mudança substancial no gameplay, e a variedade de peças é ampla. É essa divertida dinâmica que constantemente dá gás ao título, levando o jogador a explorar o mapa e fazer missões secundárias na constante busca por um apetrecho mais poderoso.

A boa dirigibilidade e as funções distintas de cada veículo ajudam a tornar interessante o mundo simplório do game, que é fortificado por algumas atividades: existem corridas, caças ao tesouro e até uma arena com confrontos dos mais variados tipos. O que é realmente comum em Sand Land são as side quests. normalmente elas seguem a estrutura padrão de encontrar um NPC, concordar em ajudá-lo e ir à um ponto específico para acabar com os malfeitores que o incomodam. Entretanto, há variações, com algumas histórias contendo dilemas morais e escolhas. De todo modo, até as missões simples acabam tendo um desenrolar satisfatório, afinal boa parte dos personagens ajudados pelo jogador acabam se mudando para Spino, cidade que funciona como uma base para Beelzebub e seus amigos. Lá, muitos abrem seu próprio negócio e passam a lhe vender itens, interagir com outros NPCs e oferecer novas quests interessantes que expandem o catálogo de produtos.

Há alguns personagens específicos que lhe passam certas tarefas de extermínio. Nelas, a dinâmica é simples: encontrar e neutralizar o alvo selecionado. Essas missões não são exatamente criativas, mas podem oferecer estruturas para a criação de veículos completamente novos, peças e também representam uma boa oportunidade de testar suas capacidades. Minha crítica a essas tarefas é a falta de conteúdo original. Muitas vezes você apenas enfrenta uma versão fortificada de algum monstro ou veículo que já tenha sido derrotado, sem maiores desafios ou novidades; a sensação é a de potencial desperdiçado. Ainda assim, devo ressaltar que o jogador não é forçado a realizar atividades secundárias. Por mais importante que algum item oferecido possa parecer, é completamente possível finalizar o jogo apenas seguindo a cadeia principal de missões.

Após a conclusão do primeiro arco da história, será o momento de conhecer Forest Land, o segundo mapa do game. Na maior parte do tempo, as diferenças de conteúdo entre os dois cenários são mínimas. Algumas novas criaturas hostis e veículos são as novidades que esta região oferece. O ponto positivo é que o novo país, muito rico em florestas, montanhas e biodiversidade, destaca a belíssima direção de arte do título, além de sustentar uma trama incrível, dessa vez dando mais destaque para Ann e os mistérios que a envolvem. É neste ponto que ela ganha sua própria árvore de habilidades, cheia de competências de suporte úteis. Destaco também a qualidade da trilha sonora, que tem êxito em se adaptar à mudança drástica de clima entre os dois arcos. Fora isso, tudo o que resta são missões secundárias básicas que aumentarão a população de Spino.

Desenvolvido pela ILCA e lançado em abril de 2024, Sand Land está disponível para PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series, Xbox One e PC. Esta análise foi feita com base na versão do Xbox Series S com uma cópia fornecida pela Bandai Namco Brasil.

Considerações finais
Sand Land não se contenta em ser uma mera adaptação do mangá de Akira Toriyama: ao expandir a obra além das páginas, o título apresenta novas histórias fascinantes, personagens carismáticos e veículos incríveis, garantindo uma experiência extremamente imersiva para os fãs e uma ótima porta de entrada aos não iniciados neste universo cativante. Falhas como o stealth forçado e as animações prejudicam, mas jamais conseguem ofuscar tantas qualidades.

Entre atividades repetitivas e missões secundárias simples, estão escondidos momentos memoráveis e recompensas valiosas. Observar o crescimento e a transformação de sua cidade, à medida que ela incorpora diferentes personagens encontrados ao longo da jornada, é simplesmente gratificante. Esse aspecto transforma um mundo aberto cheio de imperfeições em um ambiente promissor, tornando problemas que poderiam ser grandes em pequenos deslizes.

Nota
★★★★☆ – 4 – Ótimo
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