Análise do jogo Starfield
Após mais de 20 anos trabalhando exclusivamente em franquias já estabelecidas, a talentosa equipe da Bethesda Game Studios decidiu se arriscar na criação de um universo completamente inédito. O resultado disso é Starfield; um RPG espacial massivo lançado exclusivamente para a nova geração. Permeado de promessas mirabolantes, o jogo parte de uma premissa simples: reunir artefatos misteriosos espalhados por diferentes galáxias para desvendar um antigo segredo do universo. Como um bom RPG, realizar ou não essa tarefa é decisão do jogador. Há muito o que explorar fora da missão principal, podemos casar, virar um pirata espacial ou quem sabe se tornar um vigilante, daqueles que usam um traje chamativo e enfrentam os malfeitores. Acompanhado de sua preciosa nave, cabe a você decidir qual será seu papel.
A aventura começa um tanto insossa. O protagonista é um minerador sem nome que trabalha numa caverna escura e encontra um minério estranho. Ao coletá-lo, sua mente é consumida por uma visão misteriosa e é depois disso que de fato assumimos o controle, iniciando o processo de customização. Cabelo, cor de pele e gênero são totalmente modificáveis, mas o real destaque desse sistema está na mecânica de perks, onde é possível definir parte da personalidade e história do personagem. As perks vão desde ter um passado na futurística cidade de Neon até possuir um fã completamente obcecado que oferece alguns presentes em troca da sua paz de espírito. Nenhuma dessas características irá mudar drasticamente o gameplay, todavia todas oferecem algo que torna a experiência única de alguma forma, normalmente trazendo um bônus e uma desvantagem. Com o personagem criado, basta fazer algumas atividades simplórias e pronto: você tem uma nave e a missão de se unir à Constelação para buscar mais artefatos.
É possível que logo em sua primeira viagem uma nave hostil lhe ataque. Há sempre a opção de destruí-la fazendo uso do divertido sistema de combate espacial, existindo também a possibilidade de acoplar na embarcação inimiga, acabar com sua tripulação e assumir a direção. Caso tenha interesse, o jogador pode registrar sua recém “adquirida” nave para conseguir vendê-la e faturar alguns créditos. Também podemos modificá-la livremente, adicionando armas diferentes ou até mudando toda sua estrutura. Por conta da densidade da customização, fazer isso não é muito intuitivo, mas com um pouco de prática você pega o jeito. O mesmo vale para a mecânica de criação de entrepostos: basta encontrar um lugar fora das grandes cidades e começar a criar sua base, que pode ser uma casinha confortável ou um conglomerado de máquinas usadas para extrair recursos do planeta. Saiba, porém, que a maior parte das estruturas de um entreposto são feitas com minérios, e alguns podem ficar em planetas realmente distantes.
Menus e telas de carregamento são a base das viagens que fazemos ao longo de toda a experiência. Abra o mapa para ver os sistemas disponíveis no jogo, selecione o que quer visitar, encontre no mapa do sistema selecionado o planeta de seu interesse e então aguarde sua nave chegar até a órbita deste corpo celeste através de uma animação repetitiva. Com isso feito, abra o mapa, determine em que parte sua nave irá pousar e então se prepare para caminhar bastante pela superfície, afinal não há nenhum veículo em Starfield. Se quiser vasculhar alguma casa nas proximidades, saiba que haverá loadings ao entrar e sair, algo que também acontece quando se usa um elevador. Em alguns casos sequer dá para entender o motivo dessas telas existirem, já que muitas vezes conseguimos alcançar com o jetpack um local que convencionalmente seria separado pelo carregamento. E assim como é possível burlar esses lugares, há algumas formas de simplificar suas cansativas viagens pelo espaço: se o planeta interessado for palco de uma missão, você pode, através do menu de missões, fazer fast travel. Já nas viagens comuns seu melhor amigo é o radar: ative-o quando estiver na órbita de um planeta e sem maiores complicações defina o local de pouso.
Como em Fallout 4 e The Elder Scrolls V: Skyrim, em Starfield há um sistema de limite de peso no inventário. Se ele chegar ao máximo, a movimentação será limitada e os fast travels desabilitados, o que volta a tornar as viagens pelo espaço mais cansativas do que deveriam. Inicialmente não incomoda tanto, já que certos eventos e missões interessantes podem ser achados no espaço, mas eventualmente a forma pouco intuitiva de transitar pelas estrelas vai começar a pesar. Entretanto, essa é uma questão fácil de resolver: basta entregar alguns itens pesados para seus companheiros carregarem ou alocá-los no armazenamento de sua nave. Se mesmo assim você não conseguir lidar com o problema, há uma opção na árvore de habilidades do jogo que lhe permite expandir a capacidade máxima de peso. Essas diferentes formas de resolver uma situação fazem parte da essência do game, por isso é importante sempre ler os diálogos e explorar cada opção do sobrecarregado menu de Starfield. A sensação de pousar em um planeta, ganhar um debuff de status por conta de algo presente no ambiente e ter que se virar para descobrir uma maneira de reverter o problema torna a experiência viva e imersiva.
Na árvore de habilidades existem algumas mecânicas realmente interessantes que podem passar despercebidas caso o jogador não preste atenção. A mochila a jato, por exemplo, só pode ser utilizada quando desbloqueamos uma habilidade e o uso dela muda consideravelmente a experiência, deixando o combate muito mais fluído e acelerando bastante a exploração em solo. O título se destaca por dar autonomia ao player: você pode simplesmente nunca utilizar o jetpack e se tornar um guerreiro furtivo que manuseia apenas uma espada. O estilo do personagem é definido por quem joga, não por quem desenvolveu o game, e a árvore de habilidades contribui imensamente para isso. Se você usar a escopeta com frequência, poderá evoluir sua habilidade com esse tipo de arma ao máximo, se tornando um mega atirador de curta distância. Utiliza kits médicos constantemente? Então é possível torná-los cada vez mais efetivos. É recompensador e funcional, garantindo um fator replay extremamente alto e incentivando que cada um jogue da forma que se sinta mais confortável.
A liberdade dada ao jogador chega a outro nível através das missões secundárias, mais especificamente nas de facção. São quatro ao todo, sendo elas a Confederação Freestar, uma espécie de polícia espacial, a UC, que é o governo, a Ryujin, uma empresa de tecnologia que faz de tudo para se manter no topo, e a Frota Escarlate, um grupo de piratas espaciais perigosos. Você pode fazer parte de todas as facções se quiser, e como irá agir nas excelentes campanhas de cada uma delas depende da sua vontade. Quer ser um policial corrupto daqueles que esquece tudo que descobriu por uma certa quantia? Você pode! Também dá para se juntar à Frota Escarlate só para destruí-los por dentro. Nenhuma facção tem somente uma opção de final, o que faz com que o jogador se sinta útil dentro daquele mundo. Sua relação com seus companheiros é afetada pelas decisões tomadas nessas missões, ou seja, é improvável que seus parceiros gostem de você caso opte por lutar do lado dos criminosos até o fim, mas tomar uma ou outra decisão difícil pode agradar algum deles. Esse tipo de coisa vai variar com a personalidade de cada um, então se prepare para ver os personagens intervindo nos diálogos e opinando sobre suas escolhas.
Depois de fazer tantas missões distintas em diferentes organizações, podemos dar uma passadinha na cidade de Nova Atlântida e vender nossas histórias ao jornal. É uma atividade simples e que dá vida a essa galáxia cheia de possibilidades. Esse é o propósito de muitas das secundárias do game. Na maior parte das vezes elas não são densas como a história principal ou as quests de facção, mas deixam o mundo mais interessante, transformando aquele NPC inexpressivo (as expressões faciais e os visuais de alguns personagens não jogáveis são assustadores), em alguém vivo e com personalidade. Obviamente existem algumas tarefas que vão além, fornecendo histórias marcantes que mostram outros tons daquele universo, e descobri-las enquanto vagamos pela galáxia é fenomenal. A sensação de começar uma missão sem saber se ela irá terminar em cinco minutos ou em duas horas é mágica. Starfield conta com um universo fascinante, repleto de histórias memoráveis e possibilidades de escolha. Só é uma pena que muito disso não será aproveitado por conta do uso das viagens rápidas, necessárias para aliviar a exploração pífia tanto em terra quanto no espaço.
Sobre os polêmicos mil planetas, a situação varia bastante. Alguns são muito interessantes, trazendo cidades vivas, cheias de personalidade e repletas de atividades para se fazer. Já outros são vazios, tendo um alienígena pouco inteligente aqui e ali, nada impressionante como deveria ser. Starfield segue uma visão um pouco mais realista do futuro, não trazendo espécies de aliens similares aos humanos ou armas fora do que conseguimos imaginar no século XXI. Não faria sentido ter centenas de planetas repletos de elementos mirabolantes, sem falar que seria inviável para os desenvolvedores e o público. Se todo mundo fosse como Jemison, onde está localizada a capital da União das Colônias, ninguém conseguiria desfrutar de todo o conteúdo presente no game. O fato de grande parte dos planetas serem vazios não é grave, isso nem chega a ser um problema. Eles estão ali para te deixar imerso naquele universo e são um bom palco para a criação de entrepostos e coleta de recursos, além de conterem um ou outro ponto de interesse, que costuma ser uma base inimiga para você aniquilar. O que pesa mesmo é ter que ficar caminhando por essas áreas para fazer coisas simples, algo cansativo e maçante. Starfield tem vários problemas que não comprometem a jogatina, mas a tornam menos interessante do que poderia ser.
Outro detalhe que incomoda é a ausência de um minimapa. Em planetas inabitados algo assim é realmente dispensável, contudo, dentro de centros comerciais faria toda a diferença. Sem nenhum mapa marcando pontos de interesse nas cidades, o jogador deve confiar em sua memória para saber onde está cada loja que precisa visitar, além de ter que quebrar a cabeça sempre que chegar numa nova metrópole. A falta de um registro para salvar detalhes dos planetas visitados também ajuda a criar confusão. Até é possível ter uma ideia dos lugares já encontrados, mas uma função que centralizasse esse tipo de informação faria toda a diferença em um jogo tão massivo. Não é difícil encontrar um mundo excelente para alguma atividade específica e nunca mais achá-lo de novo. Na maior parte do tempo os problemas de Starfield são assim, muito facilmente identificáveis, porém é igualmente fácil enxergar suas qualidades; não há defeito que apague os pontos positivos. Viajar pelo espaço não é nada divertido, porém a sensação de pousar em um planeta novo onde certamente haverá novas missões marcantes, decisões difíceis e interações com NPCs extremamente bem escritos é impagável.
A campanha principal também oferece momentos memoráveis, contudo a primeira metade sofre com problemas de ritmo devido a estrutura lenta e muitas vezes maçante. Soa como uma gigantesca etapa introdutória, muito menos interessante e corajosa do que várias side-quests. Por sorte, a segunda metade tem outro tom. Com todas as mecânicas bem apresentadas, personagens devidamente introduzidos e o universo consolidado, Starfield abraça a ousadia e mostra uma campanha que mescla com excelência elementos do enredo com o gameplay, criando uma experiência jogável nos moldes do filme Interstelar, culminando em um dos melhores e mais bem implementados New Game Plus da indústria. A trilha sonora excelente contribui para a experiência, oferecendo músicas para todo o tipo de situação. Já o gameplay, uma clara evolução do visto em Fallout 4, também se destaca, provendo combates fluidos com uma ampla variedade de armamentos customizáveis e uma mecânica de poderes bastante eficiente que ajuda a diversificar as batalhas. Os inimigos não são tão inteligentes, mas isso jamais chega a incomodar e alguns deles conseguem oferecer um desafio considerável.
Destaco também os visuais deslumbrantes vistos na jornada. Como citado anteriormente, o jogo não faz um bom trabalho quando o assunto são expressões faciais e a aparência de NPCs menos relevantes, mas no geral os gráficos são impressionantes. Cada planeta é lindo da sua própria forma, as naves são extremamente detalhadas, todas as armas são bonitas e os trajes foram todos bem pensados, garantindo uma boa variedade visual para o protagonista e seus inimigos. Temos ainda as interessantes criaturas alienígenas, muito distintas umas das outras, fazendo jus ao vasto universo do título. Com base nas 120 horas que passei pelas estrelas através de meu Xbox Series S, testemunhei poucos bugs, sendo quase todos defeitos visuais que foram resolvidos por meio de atualizações. Inicialmente sofri alguns crashes, problema que cessou em versões recentes. Hoje, persistem apenas algumas quedas de frame em cidades mais povoadas, o que não chega a ser algo crônico, porém incomoda.
Lançado em 2023, Starfield está disponível para Xbox Series, Xbox Cloud Gaming e PC.
Considerações finais
Ambicioso. Não há palavra que defina melhor Starfield. Apesar de ser um RPG direcionado para um grande público, o jogo não teve medo de investir em diferentes mecânicas e aprofundar elementos de role playing que haviam se perdido em lançamentos anteriores da Bethesda. É possível que alguém passe centenas de horas no game e não crie nenhum entreposto, não modifique sua nave e sequer colete os vários poderes disponíveis. O grande acerto do título está justamente em confiar ao jogador a decisão de definir quais rumos tomará em sua jornada. O jogo é seu, se divirta da maneira que quiser.
Como em todo projeto grandioso, é fácil identificar elementos que poderiam estar em Starfield. O problema é que certas ausências incomodam. Para que todo o conteúdo disponível fosse devidamente aproveitado, os menus tinham que ser mais simples, a mecânica de exploração em terra e nos céus poderiam ser aperfeiçoadas e um minimapa precisava estar disponível nas cidades. Mesmo sendo menos intuitiva do que poderia, a ópera espacial encabeçada por Todd Howard proporciona uma experiência marcante, divertida e muitas vezes emocionante. Entre acertos e defeitos, Starfield é impressionante.
★★★★☆ – 4 – Ótimo
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